Na saudação do Arcanjo Gabriel à Virgem Maria, Santo Tomás de Aquino revela uma mudança silenciosa, mas avassaladora: o Céu começou a reverenciar a Terra.
O inesperado gesto do Céu
Durante séculos, os homens se curvavam diante dos anjos. Eram eles os mensageiros da glória, os ministros do Altíssimo, os olhos de fogo que contemplam a eternidade.
Ver um anjo era sinal de grande favor de Deus. Mas, de repente, num recanto de Nazaré, algo ocorreu que nunca antes se ousara imaginar: um anjo se inclina diante de uma criatura humana.
Santo Tomás de Aquino, com a serenidade firme de um Doutor da Igreja, comenta: o Arcanjo Gabriel não disse “Ave Maria”, como estamos habituados a rezar, mas “Ave, cheia de graça”. A diferença parece mínima. Mas, para quem contempla com os olhos da alma, trata-se de uma mudança colossal.
A criatura que superou os anjos
Santo Tomás ensina que os anjos eram superiores aos homens em três aspectos fundamentais: sua natureza espiritual e incorruptível, sua proximidade com Deus e a plenitude da graça. Por isso, não lhes convinha reverenciar nenhum homem. Era sempre o contrário: os homens é que se curvavam.
Mas eis que Maria aparece. E com Ela, a exceção absoluta. A Mulher Imaculada, cheia de graça desde o primeiro instante de sua existência, torna-se tão próxima de Deus — mais que próxima, torna-se Mãe do Verbo Encarnado — que Gabriel, em nome do Céu inteiro, curva-se diante Dela. E proclama: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo”.
Um anjo reconhecendo que já não está no topo da hierarquia. A Terra superou o Céu. A criatura humana, elevada pela graça, tornou-se Rainha dos Anjos.
O gesto que muda tudo
O gesto de Gabriel não é um ato isolado. A partir dele, segundo as luzes de Santo Tomás, todo o relacionamento entre anjos e homens se transforma.
Os anjos, antes superiores incontestáveis, agora se colocam a serviço de almas humanas que foram divinizadas pela graça, como Maria. Isso não termina com Ela, mas começa com Ela.
A Tradição da Igreja está cheia de sinais dessa mudança. São Francisco de Assis, em sua humildade abrasadora, reverenciava primeiro o sacerdote e só depois o anjo da guarda.
Sabia que naquele homem ungido pelas mãos do bispo, Deus operava milagres maiores que a criação do universo.
São Francisco de Sales conta o fato surpreendente: o anjo da guarda de um padre recém-ordenado recusava-se a ir à sua frente. Preferia seguir atrás, com reverência. Por quê? Porque aquele sacerdote trazia em suas mãos a Presença Real de Cristo, que nenhum anjo jamais tocaria.
E hoje? Os anjos ainda se curvam?
Essa mudança não é apenas teológica, nem restrita aos santos do passado. Ela nos interpela hoje. Vivemos numa era de desvalorização do sagrado, onde o sacerdote é tratado como um funcionário da fé, e a Missa como um evento social.
Mas se abríssemos os olhos espirituais, veríamos — como viu santa Francisca Romana — os anjos envolvendo os fiéis, iluminando suas noites, esperando o “sim” de cada alma para intervir.
O próprio Padre Pio, tão íntimo de seu anjo da guarda, tratava-o não como uma figura simbólica, mas como um companheiro de lutas. Traduzia cartas, confortava-o, anunciava-lhe perigos. Era o Céu que baixava à Terra, discretamente, a cada suspiro de oração.
Aplicação para a vida
Quem vive em estado de graça está mais alto que os anjos. É uma afirmação ousada, mas profundamente verdadeira. Cada vez que escolhemos o bem, cada vez que resistimos à tentação, cada vez que comungamos com fé — os anjos nos cercam, não como superiores, mas como admiradores silenciosos.
Se Gabriel se inclinou diante de Maria, será que os anjos não nos olham com assombro quando lutamos contra nossas misérias por amor a Deus?
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